O
dia da Revolução dos Cravos, com o dramatismo da evolução dos acontecimentos e
das operações militares, acentuado pela esperança de um tempo novo e pela ânsia
de liberdade gritada a plenos pulmões no fim daquela tarde de Abril de 1974,
permanecerá sempre na memória daqueles que o viveram e sentiram, então exultantes,
a vitória que iria conduzir finalmente ao termo do regime político vigente.
Nos
dias seguintes, a alegria do povo foi contagiante, enchendo as ruas e as praças
de um país inteiro em festa, inebriado pela esfuziante novidade da liberdade
conquistada. Cravos lançados ao ar ou transportados na lapela, ao som de
canções antes proibidas e de gritos de que o povo unido jamais seria vencido, abraços
entre amigos e desconhecidos ou entre militares e populares agradecidos… Era
tempo de sonhar, de concretizar promessas adiadas, de projectar o futuro, de
dar cumprimento aos objectivos traçados pelo Movimento das Forças Armadas:
descolonizar, democratizar e desenvolver.
Passada
a euforia, o nascimento da democracia trouxe meses conturbados, em que a súbita
libertação de pulsões, aprisionadas por décadas de censura e repressão do
Estado Novo, conduziu ao extremar de posições políticas e ideológicas, gerou conflitos
e provocou instabilidade social. Passos titubeantes de um regime novo que,
ainda criança, aprendia então a caminhar. No Parlamento, sucessivos e voláteis
governos provisórios percorreram um tortuoso caminho que desembocaria nas
primeiras eleições livres. Com todas as crises de crescimento, a democracia teve
a sua juventude, sempre procurando um rumo próprio, até se tornar adulta, com
todas as virtudes e defeitos de qualquer ser adulto.
Após
a adesão à Comunidade Económica Europeia, em 1986, Portugal consolidou o seu
regime democrático numa Europa aberta. Nos anais da História, para trás tinham ficado
décadas de um país fechado sobre si mesmo, analfabeto e atrasado, estrangulado no
seu desenvolvimento e na abertura ao exterior por um regime fascista que se
regulava e sustentava a si próprio. O natural progresso e o desenvolvimento
tecnológico dos anos posteriores iriam ajudar a consolidar o novo regime e dar
novas perspectivas a um modus vivendi
da sociedade portuguesa.
Passaram-se
46 anos desde o 25 de Abril de 1974. Portugal muito mudou desde então, para
melhor. Alguns poderão dizer que essa mudança seria inevitável com a evolução
política e económica da Europa Ocidental, na aproximação e entrada no séc. XXI.
Mas o regime democrático teve também um papel muito importante nessa evolução,
ao permitir que o nosso país abrisse os seus horizontes e abraçasse o futuro.
Como
qualquer moeda que tem duas faces, o caminho que trilhámos após a Revolução dos
Cravos não foi, e continua a não ser, imaculado. Nem só de aspectos positivos
se reveste o Portugal de Abril. Em muitas componentes da nossa vida política,
social e económica, ainda há um longo caminho a percorrer, nunca terminado. À
modernização do nosso país, há que conseguir ganhar pontos, muitos pontos, no
combate à fraude e à evasão fiscal, no combate à corrupção e ao tráfico de
influências, há que garantir uma Justiça célere e eficaz, implementar uma mais
justa distribuição da riqueza, valorizando o mérito e o trabalho, garantir
condições de vida digna aos mais desfavorecidos, eliminando bolsas de pobreza,
dignificar o Ensino e os nossos professores, fortalecer o Sistema Nacional de
Saúde e honrar os seus profissionais, dar a oportunidade de realização e saída
profissional aos nossos jovens, combater assimetrias… são tantas, tantas as arestas
que ainda temos por limar!
Uma
última palavra para um homem que não podemos esquecer, antes honrar: o Capitão
Salgueiro Maia, cuja determinação e valentia tiveram um papel fundamental no
dia 25 de Abril de 1974, para que o nosso país transitasse para um regime democrático,
da forma como aconteceu. Um homem que fica na memória de quem viveu a Revolução
dos Cravos e que, infelizmente, nos deixou cedo demais!
(O autor escreve
segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
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