sábado, 11 de abril de 2020

DESIGUALDADES, de Fernando Teixeira















Existe um cartoon que procura ilustrar a diferença entre os conceitos de igualdade e equidade, em que um homem, um adolescente e uma criança, ainda pequenote, tentam ver um jogo de baseball por cima de uma vedação de tábuas. Numa situação de igualdade, cada um recorre a um caixote de madeira para conseguir alcançar a visão do recinto desportivo. Os dois mais altos conseguem-no com esse recurso, se bem que o adulto até não precisasse dele, porém a criança nem com a ajuda do caixote consegue ver sobre a vedação. Para conseguir uma posição de equidade entre todos, o homem desce do seu caixote e cede-o ao pequenote que, sobre esse em cima daquele que já tinha, lhe possibilita ficar com a cabeça ao nível da dos restantes e acima do topo da vedação, permitindo que os três possam, então, observar igualmente o jogo. Objectivo do cartoon: demonstrar que, muitas vezes, a equidade de oportunidades, no recto, natural e justo reconhecimento dos direitos de cada um, é bem mais importante para que todos consigam alcançar determinado objectivo do que uma simples igualdade de direitos, tantas vezes apregoada.
Vem isto a propósito da constatação de que nem todos os povos vivem em equidade, traduzindo-se isso em crescentes desigualdades no mundo. Seja por questões geográficas, históricas, ambientais, culturais, técnicas ou científicas, mais parece que não vivemos num mesmo planeta, mas em mundos distintos. E com o passar das décadas, século após século, essas diferenças e desigualdades têm-se acentuado, levando a que os extremos se afastem cada vez mais e que uma ideia de equidade entre os povos seja só uma miragem num deserto de ideias, apenas povoado pela ganância do lucro e do poder em que se alicerça o progresso.
Numa óptica mais restritiva, nem mesmo os cidadãos de um país dispõem de igualdade de oportunidades, seja pelo extracto social, formação académica, condição profissional e económica ou, simplesmente, pelas intrínsecas características da sua pessoa. Porém, é do plano mais global que me quero ocupar nesta crónica.
Enquanto o mundo das telecomunicações já se ocupa da tecnologia 5G, muitos seres humanos desejariam ter cinco tigelas de arroz, ou de farinha, para poder alimentar as suas famílias; enquanto muitos vivem num luxo desmesurado, outros vivem em condições infra-humanas; enquanto alguns ganham salários obscenos e acumulam fortunas que nunca gastarão na vida, outros nada têm. E, nesta esfera azul, ínfimo ponto vagueando no espaço, com uma população rapidamente a caminho dos 8 mil milhões de pessoas, tudo continua como se esta disparidade não existisse, e alegremente, ou não, vamos vivendo e assistindo a estas desigualdades e à criação de um fosso maior entre ricos e pobres, poderosos e indefesos, elites e plebe, promovendo divisões, ressentimentos e ódios. Parte do mundo estagna enquanto outra parte pula e avança, nas palavras de António Gedeão, sendo que, na primeira, às crianças não lhes é permitido ter nas mãos uma bola colorida, talvez somente pedras nada filosofais.
Enquanto pulamos e avançamos, confortados no bem-estar do nosso progresso e desenvolvimento, necessário e louvável, esquecemos que nunca se conseguirá caminhar na direcção da harmonia entre os povos, se não se atenuar a desigualdade de oportunidades, ainda que respeitando as diferenças e, principalmente, pacificando as regiões onde ainda grassam ódios. Só assim, poderão todos esses povos vislumbrar uma vida digna, por cima e além da vedação das suas limitações naturais ou impostas, e usufruir dela. Ao invés, quem dirige os destinos deste mundo anda entretido em fomentar guerras militares e comerciais, e crises económicas com graves repercussões sociais, apenas para assegurar mais riqueza e poder, ainda que à custa da criação de barreiras, fronteiras e muros, como se não bastassem as barreiras das ideologias políticas, morais e religiosas para impedir a pacificação e o progresso das zonas do globo mais desfavorecidas. Infelizmente, isso não diminui o caos que se vai crescentemente instalando no mundo actual. Até quando?

(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)


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