Na
ordem jurídica nacional, a Lei nº 58/2019 assegura a execução do Regulamento
(UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, no que concerne ao
tratamento e circulação de dados das pessoas singulares, visando a sua
protecção.
Esta
questão tornou-se ainda mais premente após o escândalo da britânica Cambridge
Analytica que, veio a saber-se, entre 2014 e 2015, terá utilizado indevidamente
os dados recolhidos por uma aplicação da rede social Facebook para chegar aos
dados pessoais de 87 milhões de cidadãos, dando origem a perfis de consumidores
para fins de marketing estratégico em campanhas políticas que terão
influenciado o resultado das eleições para a presidência dos Estados Unidos em
2016.
Desde
então, a navegação na Internet nunca mais foi a mesma. Sob a capa da protecção
dos nossos dados pessoais, somos bombardeados diariamente com separadores que
se sobrepõem à janela do browser,
impedindo-nos de continuar a navegar na net,
a menos que se clique num botão “ACEITO”. E o que estamos realmente a aceitar,
apenas para podermos prosseguir?
O
separador diz “Damos valor à sua privacidade”, a título de nos sossegar. E,
logo a seguir, “Nós e os nossos parceiros
utilizamos determinadas tecnologias no nosso site, como os cookies,
para personalizarmos os conteúdos e a publicidade, proporcionarmos
funcionalidades das redes sociais e analisarmos o nosso tráfego. Clique em
baixo para consentir a utilização destas tecnologias na web. Pode mudar de ideias e alterar as suas opções de consentimento
em qualquer momento, voltando a este site.”
Não tendo tempo para ler os
detalhes, como se não bastasse o incómodo de ver a nossa tarefa interrompida
uma vez mais pelo maldito separador, o impulso é clicar em “ACEITO”, única
forma de prosseguir e ver a página que queremos consultar. Porém, se nos dermos
ao trabalho de abrir o separador “Consultar detalhes”, somos surpreendidos por
um conjunto de itens que definem
quais os tipos de dados, nossos, que estão a ser revelados a entidades
terceiras.
Se o fizermos, ficamos a
saber que são recolhidas informações sobre a nossa utilização dos sites, sobre os nossos interesses, sobre
os assuntos que nos foram apresentados, a frequência e respectivo tempo de
visualização, e de que forma reagimos a eles, se clicámos num anúncio ou se
fizemos uma compra, com o fim de que essas entidades possam personalizar futuros
conteúdos e publicidade de acordo com o nosso perfil de utilização. Isso é
conseguido através do acesso e guarda de informações conservadas nos nossos
dispositivos, tais como identificadores de publicidade, identificadores de
dispositivos, cookies e tecnologias
semelhantes.
Neste âmbito, são combinados
dados de fontes offline, inicialmente
recolhidos noutros contextos (?), com dados recolhidos online, são tratados dados de forma a associar diferentes
dispositivos pertencentes ao mesmo utilizador e são recolhidos dados de
localização geográfica, tudo para sustentar uma ou mais finalidades (??).
Todas
estas permissões estão accionadas por defeito, quando clicamos no botão
“ACEITO”. Se verificarmos quais são as entidades associadas, verificamos com
estupefacção que essas informações relativas aos nossos perfis de utilização
são transmitidas a um número gigantesco de empresas nacionais e estrangeiras,
as quais os usam, sabe-se lá para quê. E ainda dizem que dão valor à nossa
privacidade…!!!
Vivemos
num mundo hipócrita. O que antes se fazia sem o nosso conhecimento faz-se agora
de igual forma e com esse mesmo consentimento. É o que resulta desta política
encapotada de protecção de dados que não nos protege de coisa alguma, antes
legaliza que tais entidades espiem as nossas acções, a nossa vida, a menos que,
supostamente, tenhamos o conhecimento e o cuidado de desactivar tais
funcionalidades e a correspondente transmissão de dados. Devia ser assim, mas…
surpresa, pura falácia: se desactivarmos as funcionalidades opcionais (porque
algumas são obrigatórias), guardando as nossas opções, alguns cliques depois
aparece novo pedido de consentimento, com as mesmas funcionalidades novamente activas,
não adiantando quais foram as opções de consentimento que se gravaram
anteriormente! Ou seja, pouco interessa a vontade do utilizador de que a sua
privacidade seja respeitada. Que brincadeira…
O autor escreve
segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
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