Texto: Anita dos Santos
Foto: Direitos Reservados
Suspirou enquanto levava a mão à testa para afastar o cabelo, que já começa a ficar branco, para trás. Estava a moer milho na seira com a pedra de moer, dava uma farinha amarela densa com a qual contava ir fazer umas papas para dar às crianças. Tinha conseguido aqueles escassos punhados de grãos com o pouco dinheiro que tinha, senão não teria nada, uma vez mais, para lhes dar. Crianças… Já eram todos homens, até a Diamantina já era uma mulherzinha só a pequenina era ainda uma criança.
Tinham de crescer cedo e depressa,
e fazer-se à vida. Era assim.
Nas poucas vezes em que tinha tempo
para pensar nos tempos em tinha conhecido o Zé, parecia-lhe que tinham sido
outras pessoas, não eles os dois, que tinham vivido aqueles dias de amor louco.
Quem havia de pensar que o Zé
Cartaxo se iria embeiçar com a Mariana Joaquina?
O gigante e a mulher pequenina.
Eram dois opostos. Mas depois de se terem conhecido não se tinham largado mais.
Mesmo os primeiros anos de casados
tinham sido bem bons, se comparados com a vida de agora.
A música tinha sido mais uma coisa
a juntá-los. Não havia baile a que faltassem.
Todas as mulheres a olhavam de lado
quando a viam dançar com o Zé, moda atrás de moda, sem falhar um só passo, sem
parança ou cansaço.
Ela era leve como uma pena,
dizia-lhe ele.
Bons tempos…
No casamento da prima Arminda, que
durou alguns dias, ele rompeu a sola das botinas novas a dançar com ela. Nunca
se irá esquecer desses dias por muitas provações que passasse.
Curva as costa sobre a seira, e
roda a mó com vigor dentro da desta para afastar as lembranças.
Guardou um pão do dia anterior,
ainda bem. Assim pode fritá-lo aos bocadinhos na banha para misturar nas papas.
Eles vão bater-se por eles. Tem de ver se a pequena apanha algum.
Ainda não teve tempo para passar um
bocadinho de tintura nas pisaduras que tem na cara e nos braços… Já estão a
ficar escuros… Paciência.
Só espera que ele naquele dia não
chegue bêbado outra vez.
Que ele vá para o mar depressa.
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