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sábado, 13 de junho de 2020

CRÓNICA | NÃO CONSEGUIMOS RESPIRAR…, de Fernando Teixeira



Texto: Fernando Teixeira
Foto do Autor: D.R.


Na primeira crónica deste ano, desejei que 2020, mais do que um ano mais, fosse realmente um novo ano, diferente. Para melhor, desejava eu. Muito pelo contrário, este fatídico ano parece apostado em só nos apresentar dramas e motivos de apreensão, incerteza, confusão. Definitivamente, um ano para esquecer…
Digo “parece” e “só”, porque sei bem que uma moeda tem sempre duas faces. Se, por um lado, muitos acontecimentos negativos nos têm acompanhado desde Janeiro, também é verdade que toda essa negatividade revelou, em muitos de nós, o melhor do ser humano, quais heróis combatendo o mal com o bem, oferecendo entreajuda e amor ao próximo, incansavelmente.
Porém, são as imagens de dor e tragédia que demoram mais tempo a desvanecer-se da nossa mente, talvez porque as repudiamos e vão contra o nosso ideal de paz, saúde, tranquilidade e bem-estar.
O mundo ainda vivia submergido pela calamidade da Covid-19, a qual já provocou centenas de milhares de mortes, quando se viu confrontado com o angustiante vídeo do assassínio de um cidadão afro-americano, de nome George Floyd, deixado a asfixiar durante quase nove minutos, numa detenção policial de força bruta despropositada e inclemente, no estado norte-americano de Minneapolis. Através de imagens que correram o mundo inteiro, aquele homem de 46 anos, algemado e subjugado de bruços, suplicou diversas vezes que não conseguia respirar, e gritou pela mãe, enquanto um agente da polícia comprimia o seu pescoço contra o asfalto com o joelho e outros dois exerciam pressão nas costas do detido, alegadamente porque ele teria tentado pagar algo com uma nota de vinte dólares, supostamente falsa. É o que dizem. A ser verdade, uma vida por 20 dólares. Triste, muito triste, condenável. Sem palavras!
Tudo isto num mundo que recentemente tem visto partir muitos dos seus cidadãos, muitos deles também de bruços numa cama de hospital, também eles numa asfixia lenta e sem poderem implorar por clemência. Apesar de esmerados cuidados clínicos, dos seus peitos, invadidos por tubos de ventiladores mecânicos, saem brados silenciosos que, desesperadamente, repetem as mesmas palavras de George Floyd: I can’t breathe! Não consigo respirar!
O drama da pandemia que se tem vivido nos últimos meses, precisamente com os Estados Unidos no topo da tragédia, em número de casos e de vítimas, parece não ter produzido qualquer efeito, no sentido de sensibilizar mais, alguns, para o valor da vida humana que se pode perder quando menos se espera. Enquanto muitos a perdem prematuramente por contágio de um vírus maldito, ainda que o pessoal médico tente os impossíveis para reverter a sua situação crítica, George Floyd perdeu a vida às mãos de um elemento das forças de segurança de Minneapolis, e de seus cúmplices, que nada fizeram para o evitar, surdos aos apelos angustiantes da vítima e de testemunhas, devolvendo apenas aquele ar sobranceiro e gozão do poder da farda, ao mesmo tempo que uma vida se esvaía atrozmente.
Aquela morte evitável, no dia 25 de Maio, mergulhou dezenas de cidades dos Estados Unidos num caos de protesto e violência que sempre emerge quando se verificam estes atropelos à dignidade da vida humana, infelizmente frequentes na sociedade americana onde o estigma do racismo e das desigualdades de oportunidades, segundo a cor da pele, é sistémico e continua bem vivo.
O primeiro semestre de 2020 tem sido de tirar o fôlego. O flagelo pandémico que nos atingiu, ceifando centenas de milhares de vidas nos cinco continentes, e o pior da natureza humana, reflectido nas convulsões sociais a que temos assistido e sempre latentes um pouco por todo o lado, tiram-nos o fôlego. Não conseguimos respirar pelo George Floyd nem pelas inúmeras vítimas de violência e opressão, não conseguimos respirar pelas centenas de milhares de mortos da Covid-19, não conseguimos respirar por quem não consegue obter condições mínimas para sobreviver…
Se, nos tempos que correm, o uso devido de máscara nos incomoda, pois dificulta a livre respiração, regozijemo-nos por ainda o podermos fazer. Respiramos e vivemos. Lembremo-nos de quem já não tem esse privilégio. Que descansem em paz!

(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

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