Texto: Anita dos Santos
Foto: D.R.
Os remos cortavam a água de um lado e do outro do bote, calmamente ao ritmo que lhes ía imprimindo.
Não tinha pressa.
Olhou para o céu claro e sem nuvens onde brilhava uma bela
lua cheia, e depois para a margem longínqua. Continuou a afastar-se. Não queria
deitar a rede perto pois nos últimos dias tinha voltado vazia de peixe todas as
vezes que a tinha puxado.
Não entendia o que se estava a passar. Naquela altura do ano
devia haver peixe com fartura, mas este ano algo estava a afugentar o pescado.
Afastou-se mais. A margem já mal se via.
A água em volta do bote, translúcida ao cimo, tornava-se
negra devido à fundura.
Deitou a rede e ficou à espera.
Acabou por passar pelo sono, as noites anteriores não tinham
sido bem dormidas. Acordou com o sacudir do bote.
Endireitou-se de supetão para ir direito à rede.
Mas não lhe chegou a tocar.
Da amurada do barco, uma criatura bela, de imensos olhos
verdes, fitava-o intensamente com metade do corpo submerso e os longos cabelos
escorridos pela água do mar.
Ficou sem saber o que fazer.
- Olá. Naufragou? – Logo que fez a pergunta viu que era um
enorme disparate.
Ela continuava com uma mão agarrada ao bote, sem tirar os
olhos dele.
- Precisa de auxílio? – Outro disparate, pensou.
Sabia bem o que ela era de ouvir falar. Nunca pensou foi
encontrar uma…
- Vens apanhar os pequenos com a tua rede. – A sua voz era
baixa e rouca.
- Foi o que aprendi a fazer para ganhar a vida.
- É mau para nós quando vocês, os de duas penas, apanham os
pequenos nas vossas redes.
- Porquê, porque é que é mau?
- Porque as redes não apanham só os pequenos. Destroem
também tudo em volta quando as puxam. Matam o que levam e o que fica para trás.
Porque já mataram alguns de nós.
Ele ficou sem saber que resposta lhe dar. Baixou os olhos
envergonhado.
- Tens razão. Muitos homens usam redes grandes e pesadas,
redes que apanham tudo e levam tudo dentro delas. Não deveria ser assim e não é
isso que faço.
- A tua rede é pequena, já vi que sim. E tem malhas largas.
Os muito pequenos podem fugir. De qualquer maneira não a deves deitar aqui.
- Está bem então. Podes dizer-me onde posso deitar a minha
rede para apanhar peixe?
- Do outro lado do Pico Rochoso e só depois da Lua Escura.
- Do lado de lá da baía e depois da lua nova. São essas as
tuas condições?
- Sim, são essas as condições.
- E se eu quiser voltar a encontrar-te? – Acabou por
perguntar após um momento de silêncio.
- Virei ter contigo na próxima Lua Grande se, entretanto,
ensinares aos outros que não devem vir para aqui.
- Farei isso.
A voz dele soou baixa e claramente.
Longos anos se passaram, e os pescadores tomaram outros
hábitos de pesca devido aos ensinamentos do pescador.
Mas
durante todas as luas cheias, se algum intrépido se aventurasse a ir para os
lados do Abismo, podia ver a sombra de um pequeno bote com um pescador
debruçado na amurada abraçado a uma bela sereia, que o abraçava também.
Sem comentários:
Enviar um comentário