Já do avesso virou cada certeza
E o país que procurava não existe
Ainda não existe
Manuel Alegre, in “Um Barco Para Ítaca”
Como o bar ainda estava nas suas mãos, ele decidiu saldar as pequenas dívidas com peças de mobiliário. O padeiro, um português grande, daqueles que o sol não bronzeia, mas avermelha, que fazia a distribuição do pão porta a porta numa mota com sidecar, levou a máquina registadora; o fornecedor de bebidas levou a "minha" Rockola…, mas não levou a maior parte dos discos de 45 rotações, esses guardei. O senhorio ficou com tudo o que restava.
Meu pai só vendeu a licença de licores porque esta tinha algum valor comercial e era transmissível. Com essa pequena quantia devia iniciar uma nova vida e sustentar a família, sabia lá, por quanto tempo.
E numa manhã, como outras tantas, o Bar Copacabana fechou as portas para sempre, deixando-nos do lado de fora, ao sabor de um destino incerto.
Muitos anos depois, passei por aquela rua. O edifício ainda existia, mas as portas do antigo bar continuavam fechadas. As pessoas que moravam na rua não sabiam que naquele local tinha existido um bar que se chamava Copacabana. Mais recentemente soube que, durante as grandes inundações, muitos dos lugares onde passei a minha infância foram sepultadas pela pedras e a terra, ou arrastados pelas águas enfurecidas e lançados ao mar. Ficam só as memórias.
Perder o negócio foi, para os meus pais, uma vergonha. Custava-lhes enfrentar os seus conterrâneos e suportar a comiseração de uns e o escárnio de outros. Apenas tinham vontade de sair daquele lugar e começar uma nova vida onde ninguém os conhecesse.
Talvez por isso foi tão fácil aceitar a sugestão de um conterrâneo, um daqueles que tinham esquecido a aldeia e a família, aventurando-se a ir para o país mais profundo, onde o rio Orinoco se cruza com o Caroní, junto à selva, onde se escondem os tesouros da terra.
Ele falou-lhe da grande siderurgia em construção e da cidade que se desenvolvia ao seu redor, da abundância de trabalho e dos bons ordenados.
Então, o meu pai soube que tinha que começar a trabalhar na construção civil e pôr em prática tudo o que tinha aprendido com o pai.
Com uma magra quantia de dinheiro, talvez menos do que aquela que trazia quando chegou àquele país, decidiu partir, uma vez mais, deixando atrás a mulher e quatro filhos pequenos. Mas agora o que o levava não era o sonho e a esperança, agora era o desalento e a incerteza que o levavam.
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