sábado, 22 de agosto de 2020

O CASTELO, de Fernando Teixeira

 


Os sinos da igreja dão as primeiras badaladas do dia, considerando haver terminado o período da noite em que a população da vila tem direito ao devido descanso em silêncio. Primeiro, quatro pares de badaladas a dois tons, seguidos de uma sequência de badaladas simples em número igual ao das horas certas.

Conta-as, mais para se certificar de que é a hora que julga ser, e não se engana: sete badaladas, sete horas da manhã. Levanta-se da cama e prepara-se para fazer a sua higiene. Antes, já um galo fizera anunciar a aurora, para o qual, tempo e dia não se medem em horas ou minutos, nem o som do sino tem qualquer significado. Porém, o cantar estridente do galináceo teve o condão de o deixar a sono solto, e é sempre assim no Verão: a ave começa o dia antes do sino e é com ela que desperta.

Nessa manhã, depois de tomar o pequeno-almoço, decide-se por um curto passeio enquanto ainda sopra uma ligeira brisa tépida, antes que a dureza do estio, na forma de um calor inclemente, lhe tolha os passos e o impeça de sair de casa. Percorre sem pressa meia dúzia de ruas estreitas com algum declive, pois naquela terra o caminho só se faz subindo ou descendo, por vezes de forma tão acentuada e por ruelas tão estreitas que recebem o nome de “quelhas”.  

Dirige-se ao castelo da vila ou, melhor dizendo, a uma mera amostra dele, já que, em tempos passados, alguém terá achado que as pedras do castelo teriam melhor aproveitamento se fossem utilizadas para construir os muros do cemitério, ali perto. Hoje, são os mortos que testemunham, na base do castelo, a aberração de tal escolha, por entre alguns viventes que guardam o sucedido na memória.

Sobe as escadas que ladeiam uma rampa de pedras irregulares e acede ao terreiro do castelo. Abeira-se do que resta das muralhas de granito e, como é hábito sempre que ali vai, deixa-se levar pela contemplação da imensidade e beleza da campina raiana espraiando-se no sopé do morro em que a sua vila se encavalita. Ao longe, as serras estendem-se até ao país vizinho.

Agasta-se com o estado em que o terreiro se encontra: ervas daninhas crescem a eito e também algum lixo se encontra por ali, sem que seja feita a devida manutenção do espaço. Evidentes sinais de desmazelo. Já antes, ao longo da escada de acesso, havia reparado que os focos de luz no chão, que deveriam iluminar o castelo de noite, continuam lamentavelmente deteriorados em resultado da selvajaria ou falta de civismo de alguns.

Na frente de um binóculo para se observar a campina, uma rampa de granito polido, infelizmente também ela grafitada, contém a inscrição:

Subi acima ao castelo

Lá ao longe vi a Espanha.

Dei um abraço a Monsanto

E o coração à Idanha.

 

Sentado na muralha do castelo, virado para a vila, observa a igreja matriz, a torre sineira e o casario mais adiante. Duas badaladas do sino, indicando uma meia hora, sobressaltam-no do torpor em que entrou. Reflecte, então, em como não basta que uma autarquia crie espaços de cultura e de lazer para usufruto da população e visitantes. É necessário que depois proceda à sua manutenção, esperando que o cuidado e civismo de todos contribua também para a sua conservação e beleza. A bem das nossas gentes e dos forasteiros. Naquele caso, para que uns e outros dêem, efectivamente, o coração à Idanha.

 

(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)


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