Achou
a distância demasiadamente longa para chegar ao terreno que o vendedor lhe ia
mostrar. Seis quilómetros desde que se saía da estrada nacional, percorridos
por uma outra municipal sinuosa e estreita mas asfaltada, do mal, o menos,
pareceu-lhe ser motivo mais do que suficiente para se decidir por uma recusa em
comprar aquela porção de terra. E só ainda ia a meio do caminho…
Porém,
quando lá chegou, essa impressão negativa desvaneceu-se e nem as palavras do
vendedor, a tentar convencê-lo, seriam necessárias para tomar uma decisão. O
local era perfeito, aprazível, sem construções à vista, rodeado de alguma
floresta variada e de vegetação mais rasteira, alguns afloramentos rochosos
dispersos e ligeiro declive para um pequeno riacho, por onde corria água, mesmo
em Verões mais secos, disse-lhe o vendedor a quem resolveu dar o benefício da
dúvida.
Dúvidas,
não tinha ele. Sim, aquele era o local perfeito, tal como imaginara que seria o
lugar onde um dia construiria uma casa que seria o Refúgio, assim chamaria ao
seu paraíso, longe do bulício da cidade e dos seus habitantes, onde poderia
estar em contacto com a natureza, procurando a paz e a simplicidade que idealizava
depois de uma vida em permanente correria e convulsão. Com a mesma
tranquilidade, fechou o negócio.
Durante
dois anos, tratou de conseguir um projecto aprovado pela autarquia e foi
construindo, ele próprio, a casa de pedra com que sonhara, tão simples e
rústica como acolhedora. Vezes sem conta, fizera então aquela estrada até se
tornar familiar como as suas mãos, conhecendo-lhe cada curva, as árvores nas
bermas, cada marco ou singularidade que lhe permitia distinguir onde se
encontrava e quanto faltava para o destino.
Mês
após mês, com a ajuda de antigos companheiros das obras, foi colocando pedra
sobre pedra, amassando argamassas para colocar novas pedras, marcando os vãos,
vendo as paredes erguerem-se e tornarem-se numa habitação, como fizera tantas
vezes para outros proprietários para quem trabalhara. Mas agora, era a sua casa
que ele erguia, de sol a sol, metodicamente, vencendo a ansiedade de a ver
concluída e pronta, para nela entrar e residir.
Cada
pedra de granito assente carregava em si o peso de tantos sacrifícios que
fizera no passado, o suor de cada dia de trabalho significava sucessos e
fracassos de outrora, cada viagem ao longo dos seis quilómetros da “sua”
estrada transportava dentro de si alegrias e tristezas, sendo a viuvez
prematura o maior dos infortúnios, cuja lembrança o deixava a cismar por saber
que nunca teria, naquela casa, no refúgio ambicionado e concretizado, a
companhia de quem tinha partilhado consigo sonhos e dificuldades da vida.
Ao
fim da tarde, cansado pelo esforço físico despendido, gostava de bebericar uma
cerveja com os homens, ou sozinho se eles já tivessem dispersado, admirando o
céu alaranjado logo após o astro-rei se ter ocultado por detrás das serras
circundantes, aguardando o anoitecer pejado dos ruídos da natureza envolvente.
Só então regressava à cidade.
Depois
da casa construída e de finalmente se ter mudado para lá, manteve o mesmo
hábito. Quando o ocaso se aproximava nas tardes estivais, descansava o corpo
numa espreguiçadeira, com uma cerveja na mão, observando os diversos matizes
que metamorfoseavam o céu, desde o azul-celeste a um alaranjado crescente, cada
vez mais vivo, até que o firmamento se revestia de tons violeta para depois
escurecer, tornando-se breu, iluminado por milhões de estrelas que pareciam
subjugá-lo. Chegava a sonhar com tais ocasos quando, adormecendo na
espreguiçadeira, o sonho parecia querer substituir-se à realidade.
Um
dia, regressava a casa, percorrendo uma vez mais aqueles seis quilómetros de
estrada estreita e sinuosa que o separavam do Refúgio. Já era de noite e apenas
os faróis da viatura iluminavam o asfalto e as árvores mais próximas, transformadas
em fantasmas monocromáticos. Não se vislumbravam estrelas e o breu era total.
Só pensava em chegar e deitar-se no conforto da cama, esperando o dia seguinte.
Após contornar uma colina, foi surpreendido pela visão de uma espécie de ocaso
onde o sol já se pusera há muito. À distância, o contorno negro da serra
distinguia-se num clarão alaranjado, cada vez mais vivo à medida que se
aproximava. Um clarão maldito e imenso, ameaçando envolver toda a área do seu Refúgio.
Foi
então que sentiu o cheiro a madeira queimada.
(O autor escreve
segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
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