quarta-feira, 30 de setembro de 2020
(II) - Aguenta a pressão, miúdo / PAULO LANDECK
segunda-feira, 28 de setembro de 2020
OS SONHADORES E AS ESTRELAS, de Anita dos Santos
Como sempre,
combinaram encontrar-se na noite sem lua.
Era a melhor
altura. Além disso, como havia pouca luz ninguém andava a passear. Havia poucos
que gostassem do escuro. Tirando as corujas, claro.
Cada um vinha
de seu lado pois moravam em sítios diferentes. Tinham começado a juntar-se aos
poucos, quase sem darem conta. Depois foi uma questão de se habituarem a estar
juntos, a conversar, a olhar para o alto.
Naquele dia
o primeiro a aparecer foi o Urso. Não costumava ser o primeiro pois morava
longe, mas naquele dia adiantou-se e deixou-se ficar escondido por entre os
arbustos, imóvel e indistinto no meio das sombras.
Daí a pouco
ouviu restolhar e olhou para a direita vendo surgir o rosto do Texugo rente ao
chão.
Este, como
não estava a contar com a presença do Urso, apanhou um tremendo susto,
arregalando os olhos no meio da cara listada, fazendo uma expressão cómica.
- Já cá
estás?
- Pois não
me estás a ver?
- Não sei
como não caí para o lado…
- Para a
próxima, tenta fazer menos barulho. Ouvi-te à distância!
O Texugo,
arrebitou o nariz e sentou-se confortavelmente a aguardar pelos outros.
De repente,
surgido como que do ar, apareceu o Rato! Era a sua imagem de marca, aparecer
sem ninguém dar por ele!
- Mas tu…
Como é que fazes sempre isso? – Perguntou o Texugo com ar indignado, pois por
mais que tentasse não conseguia imitar o Rato.
- Segredos,
meu amigo, segredos que não se podem contar a ninguém! – Respondeu o Rato com
expressão ufana.
- Como
sempre temos de esperar por ela…
Palavras não
eram ditas, e eis que de um salto surge no meio deles a Lebre.
- Chamaram?
Estava só à espera da minha deixa para aparecer!
- Muito bem,
já que estamos todos, vamos lá que a noite não dura sempre.
Dirigiram-se
para a clareira do bosque que era cercada por árvores centenárias de tamanho
que nem conseguiam calcular. No meio da clareira havia uma pedra alta e esguia
junto da qual se sentaram, de costas bem encostadas e olhos virados para o céu.
- O ar hoje
está limpo e brilhante. – Diz o Urso.
- Cheira a
erva verde e tenra. – A Lebre franze o nariz a cheirar o ar.
- Hoje vamos
ver bem os brilhos lá em cima. – A voz do Rato soa reverente.
- Sim,
vamos. Lá está a Grande Toca de Esconder com o seu caminho bem marcado. Será que
é hoje que vemos alguma das outras luzes dar com ela? – Pergunta o Texugo para
ninguém em particular.
- Pode ser.
Elas têm o caminho bem marcado com outras brilhantes, e mais outra em cada
canto. Tenho de confessar que não entendo porque é que ainda nenhuma lá entrou.
A voz do
Urso soava baixa, e espelhava a confusão dos companheiros.
Ora as
brilhantes tinham o caminha para a Grande Toca de Esconder tão bem marcado…
E havia
tantas brilhantes lá em cima… será que não tinha de se esconder?
- Só pode
ser isso. Não têm de se esconder… Já pensaram, não precisar de uma toca de
esconder? – O Rato, ponderava nesta suposição descabida.
- Então para
que têm lá a Grande Toca de Esconder? Ali, tão bem feita uma brilhante em cada
canto e mais quatro brilhantes a indicar o caminho, sendo a última a mais
brilhante de todas? – Perguntou a Lebre, agastada.
- Não sei.
Lembram-se quando fizemos uma Toca de Esconder com pedras igual à Grande Toca
de Esconder, não escondia lá grande coisa…
- Só fica
escondido quando é dia.
Ficaram
todos a ponderar naquela questão durante algum tempo de olhos postos naquela
enorme Abobada Escura pontilhada por uma enormidade de brilhantes.
O Rato, de
repente, dá um salto de nariz no ar, como quem não acredita naquilo que está a
ver. De imediato todos voltam os olhos para onde o Rato estava a olhar e,
espanto dos espantos, vêem umas quantas brilhantes a fugir pela Abobada Escura,
deixando atrás de cada uma um rasto brilhante que a pouco e pouco se vai
desvanecendo.
Aquelas
poucas brilhantes desapareceram rapidamente.
- Viram?
Viram? Mas porque não foram elas para a Toca de Esconder?
De súbito
surgiu um novo grupo, maior, mais brilhante. Deste grupo destacou-se uma das
brilhantes, que ganhou velocidade, indo desaparecer mesmo no centro da Toca de
Esconder.
As
respirações que tinham ficado em suspenso, fizeram-se ouvir em alívio.
Salvou-se uma!
Olharam para
todos os lados em busca de outras que pudessem aparecer. E assim foi.
Em grupos ou
isoladas, as brilhantes fugiam a grande velocidade de uma ponta a outra da
Abobada Escura, só mais duas conseguindo dar com a Toca de Esconder.
- Mas como é
possível?
- E de que
fogem elas?
- Estão
completamente cegas…
Só o Urso se
manteve caldo, de olhos levantados, concentrado em tudo o que estava a ocorrer
lá no alto.
Por fim já
não havia mais brilhantes a correr pela imensidão escura.
- Três. Só
três…
De súbito,
apareceu uma pequenina brilhante vinda da cauda da Toca de Esconder,
percorrendo o caminho até a mesma e desaparecendo dentro dela num dos seus cantos.
Ouviu-se um
suspiro colectivo.
- A Ursa,
minha mãe, tinha uma toca de esconder onde nós, as crias, nos escondíamos
quando ouvíamos ou cheirávamos alguma coisa. Era assim, tinha um caminho e uma
entrada. Depois de lá estarmos dentro, ela colocava-se a tapar a entrada. Nada
ali passava.
Ficaram
todos a olhar por momentos para o alto. Por fim o Texugo disse:
- Talvez
devêssemos chamar Grande Ursa à Toca de Esconder…
A Lebre
mirou o Urso de lado, e repontou:
- Ursa
Maior, acho que lhe fica melhor.
- O que é
certo é que aqueles quatro pequenos ficaram seguros, essa é que é essa!
- Ursa
Maior, parece-me bem!
E assim foi
que os quatro amigos continuaram a juntar-se para ver a Ursa Maior!
domingo, 27 de setembro de 2020
sábado, 26 de setembro de 2020
O SEXTO SENTIDO, de Fernando Teixeira
Pagou a conta e saiu dali. Fez o caminho inverso até à zona de estacionamento onde tinha deixado a mota. Quando chegou, abeirou-se do guarda-corpos de cimento que protegia os peões do declive para a praia. Inspirou o ar marítimo a plenos pulmões e, quando estava prestes a virar costas ao oceano, os seus olhos pararam em dois vultos, ao longe, na extremidade sudeste da praia: do adulto, não estava certo, tinha a cabeça coberta por um capuz do que parecia ser um anorak azul-claro; já do cão bege que pululava em redor, podia quase assegurar tratar-se de um Golden Retriever.
Sentiu um sobressalto. Seria a francesa cujo pensamento o levara nessa manhã, de forma no mínimo ingénua, a deslocar-se até Le Pouldu, numa mais que provável vã tentativa de a reencontrar por acaso?
Não se iria embora sem saber. O seu gatinho teria de esperar mais algum tempo por companhia! Desceu um pequeno carreiro que levava à praia. Com tantas algas secas e outros resíduos vegetais ásperos na areia, ajuizou ser melhor não se descalçar. Aproximou-se lentamente e as dúvidas iam-se dissipando, ou talvez devesse dizer que a esperança ia aumentando. A uns vinte passos, um pé-de-vento fez soltar o capuz quando a pessoa se virou para o mar, descobrindo-lhe o cabelo grisalho encaracolado, e foi então que teve a certeza de que era mesmo ela, embora se encontrasse de perfil.
Surpreendentemente, nesse preciso momento, o cão disparou direito a ele, o que fez com que a francesa virasse a cabeça na sua direcção. Só o reconheceu quando Pedro se acercou e lhe estendeu a mão para a cumprimentar.
– Olá, boa tarde! Como vai? Pelos vistos, o Doëlan ainda se lembra de mim… – disse, afagando a cabeça do Retriever que, depois de o cheirar, tinha colocado as patas da frente à altura da sua cintura e abanava a cauda freneticamente.
Ela devolveu o cumprimento com uma expressão que espelhava curiosidade.
– É um animal muito inteligente e dócil! Não esperava vê-lo por aqui, agora… Desculpe, no outro dia saí um pouco à pressa!
– Não tem de que pedir desculpa! Compreendo que o Doëlan quisesse desaparecer da vista do veterinário o mais depressa possível…
Ela riu-se, manifestando agrado por ele ainda se lembrar do nome do seu animal de estimação.
– Dificilmente me esqueceria, eu estou a residir em Port de Doëlan.
– A sério? Ah, bom! Pensei que morasse aqui em Le Pouldu.
– Não, só vim cá com o meu gato ao veterinário.
– Sim, o Biscaya… com “y”! – exclamou a francesa, erguendo o indicador no ar, ao nível da face, e rematando num tom que acentuava a importância do pormenor.
– Isso! – devolveu ele, sorrindo com a sua atitude e, principalmente, sensibilizado por ela se lembrar, e por ter frisado o detalhe da forma que se recordava de ter proferido na clínica, à laia de imitação, como se isso revelasse um gesto de cumplicidade muito próprio. – Já que estamos a falar de nomes: Pedro.
Estendeu-lhe a mão de novo, como se um novo cumprimento fosse requerido para tornar a apresentação tão formal quanto deveria ter sido pela primeira vez.
– Sylvie – retorquiu ela, não se negando a um segundo aperto de mão e fazendo um gesto teatral. – Mas o seu sotaque é…
– Português. Sou português!
– Fala um Francês bastante fluente! – opinou, com visível agrado. – Como veio parar à Bretanha?
– É uma longa história… – respondeu, evasivo.
– Desculpe, na verdade é ousadia minha esperar que partilhe a sua vida privada com uma estranha!
– Não tem de que se desculpar! – disse, de novo. – Estranha, chega a ser a minha vida, até para mim…
Sylvie não respondeu. Notara que havia pisado uma linha que não devia ultrapassar. O seu sexto sentido percebera uma sombra cinzenta no olhar vago daquele homem, sombra que não era o reflexo do céu nublado nos seus olhos. Seria algo profundo, íntimo… O que quereria ele dizer com vida estranha?
in Traços De Pont-Aven
(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
Os Nove Braços do Hanukiah de Rita Mayer Jardim / CASA DAS LETRAS
Um candelabro judaico desaparece do museu da
sinagoga de Savannah, no estado norte-americano da Geórgia, e uma estranha
mensagem em português é deixada no seu lugar. Suspeita do furto, a genealogista
Clara Mendes cruza-se então com Lior, um veterano de poucas palavras que se
dedica a investigar o paradeiro de artefactos judaicos roubados e que lhe pede
para ir a Israel pesquisar a sua descendência de uma ilustre família sefardita.
Ingénua, mas determinada, Clara depressa se vê
envolvida numa intriga empolgante que a leva a mergulhar na história conturbada
do povo judeu, tanto na Europa como no Novo Mundo, e que tão depressa a faz
recuar ao terror da Inquisição como a descobrir os meandros da nova
extrema-direita internacional.
Decorrendo ao longo de vários séculos, por entre
os segredos das ruas tortuosas de Jerusalém e a dura colonização do sul dos
Estados Unidos da América, a diáspora judaica de Marrocos e as profundezas da
Amazónia brasileira, Os Nove
Braços do Hanukiah é um romance apaixonante à volta
do extenso legado dos judeus sefarditas, um povo que, certo dia, Portugal
decidiu expulsar.
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
ANTÓNIO, de Maria Cecília Garcia
A Vida Secreta da Cozinha Portuguesa de Guida Cândido / DOM QUIXOTE
quarta-feira, 23 de setembro de 2020
(I) - Corria o ano de 2005, sentia-me confiante, pujante, rejuvenescido. / PAULO LANDECK
terça-feira, 22 de setembro de 2020
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
Viajo Sozinha de Samuel Bjork / DOM QUIXOTE - Tradução de Eurico Monchique
Quando
o cadáver de uma menina é encontrado pendurado numa árvore, a única pista que a
polícia tem é uma nota pendurada no pescoço dela onde se lia: Viajo sozinha.
O
detetive Holger Munch é encarregado de reunir uma unidade especial de
homicídios. Mas para completar a equipa ele tem de encontrar a sua antiga
parceira, Mia Krüger – uma investigadora brilhante mas problemática –, que se
retirou para uma ilha isolada.
Ao
rever o processo, Mia descobre algo – uma fina linha raspada numa unha de um
dedo da menina: o número um. Isto é apenas o início. Para salvar outras
crianças de um destino semelhante, ela terá que encontrar uma maneira de
afastar os seus próprios demónios e impedir que este criminoso se transforme
num assassino em série.
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
Por carreirões e estradas (des)calçadas / PAULO LANDECK
terça-feira, 15 de setembro de 2020
A Faca de Jo Nesbo / DOM QUIXOTE - Tradução de C.S.C. Marques
Harry Hole está em maus
lençóis. Rakel, a única mulher que algum dia amou, deixou-o de vez. A Polícia
de Oslo ofereceu-lhe uma nova oportunidade, mas para resolver casos menores,
quando na realidade o que ele pretendia era investigar Svein Finne, o violador
e assassino em série que, em tempos, pusera atrás das grades. E agora, Finne
está livre depois de mais de uma década na prisão, e Harry determinado a
investigar todas as suspeitas que continuam a recair sobre ele.
Mas nada lhe corre como
gostaria e a cada dia que passa só vê piorar a sua situação. Quando, depois de
uma noite de embriaguez total, Harry acorda de manhã completamente desmemoriado
e com sangue nas mãos percebe que algo de estranho se passou. Porém, o que
nessa altura Harry ainda não sabe, é que acordou apenas para viver o pior
pesadelo de toda a sua vida.
segunda-feira, 14 de setembro de 2020
domingo, 13 de setembro de 2020
A MISSIVA, de Fernando Teixeira
Enquanto percorria a estrada de óptimo piso para Le Pouldu, por entre campos verdejantes, largos e planos, salpicados por casas brancas de telhado negro, a baixa velocidade por causa do seu passageiro de quatro patas, ia congeminando algumas ideias que repetidamente assolavam à sua mente, sem que tivesse ainda chegado a uma conclusão.
Uma das questões que mais o intrigava era saber até que ponto a pista Clohars-Carnoët lhe dava alguma indicação segura do paradeiro do seu filho, que cortara relações consigo havia duas décadas. A última vez que falara com ele, lembrava-se bem, sabia-o algures em Itália. Como podia esquecer? Recebera a chamada do filho, esperançoso de uma súbita reconciliação, na última tarde de três dias em que se deslocara a Lisboa para visitar a Expo98, a Exposição Internacional de Lisboa, subordinada ao tema “Os oceanos, um património para o futuro”.
– Presta atenção! Não quero que me voltes a ligar nem que voltes a chatear a mãe, ouviste bem? Esquece que nós existimos! A minha mãe não quer saber de ti para nada e eu também não! Para mim, tu morreste!
Não era o vento que fazia lacrimejar os seus olhos, protegidos pela viseira. Aquelas palavras continuavam a feri-lo, como no primeiro dia. Recordava que não tinha querido ver mais nada. Saíra do recinto da exposição com a voz e a mente embargadas e rumara de imediato ao Algarve, ainda hoje não sabia como tinha conseguido conduzir com os olhos numa cortina de água. Se os oceanos eram um património para o futuro, o seu parecia terminar naquele mar de lágrimas!
Revia imagens claras que o tempo não conseguia desvanecer: o momento em que abrira o envelope sem remetente pela primeira vez e dele retirara o cartão, duas linhas de palavras secas e um nome:
Talvez te interesse saber que a
minha mãe faleceu há três dias.
Afonso
Porquê aquela missiva do filho agora, anunciando a morte da mãe, fazia dois meses? Se nem Afonso, nem tão-pouco ela se haviam interessado por saber se ele estava bem, se continuava vivo, antes tinham manifestado vontade de que desaparecesse da vida deles, desaparecendo da sua, por que motivo o filho dera subitamente à costa, tanto tempo depois?
Raciocinou, como já o fizera de outras vezes, que Afonso não queria dar a conhecer o seu paradeiro ou teria, simplesmente, indicado um endereço de remetente. Ora, o facto de o filho nem sequer ter escrito o nome no envelope parecia indiciar que o clima de blackout se mantinha, não tendo qualquer interesse em estabelecer uma aproximação ao pai, para além de formalizar a informação que pretendia dar. E era isso que o confundia: que necessidade tinha Afonso que ele soubesse que a sua ex-mulher tinha morrido, quando tinham estado mais de vinte anos sem se verem e sem comunicarem? Para o filho, ele até estava morto!…
Por que se dera ao trabalho de o avisar? E, embora o teor da missiva fosse seco de sentimento, a verdade é que ele assinara a mensagem, como se acenasse e dissesse: Estou aqui!
in Traços de Pont-Aven
(O autor escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)
sexta-feira, 11 de setembro de 2020
Alamedas Escuras de Ivan Búnin / DOM QUIXOTE - Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra
Escritos
entre 1938 e 1944, e ambientados no contexto das crises culturais e históricas
russas das décadas anteriores, estes contos centram-se em ligações obscuras e
eróticas. O amor – nas suas diversas e variadas formas – é o tema unificador
deste conjunto rico de narrativas, caracterizado pela prosa evocativa, elegíaca
e elegante pela qual Búnin ficou célebre.
Traduzido
pela primeira vez em Portugal diretamente do russo, por Nina Guerra e Filipe
Guerra, e na sua totalidade, Alamedas Escuras é uma das grandes conquistas da literatura russa émigré do século xx. Uma obra-prima que levou o
domínio poético da linguagem de Búnin a novos patamares e que é, ainda hoje, um
dos livros de contos mais lidos na Rússia.
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
A Vida Brinca Comigo de David Grossman / DOM QUIXOTE - Tradução de Lúcia Liba Mucznik
Túvia
Bruck era o meu avô. Vera a minha avó. Rafael, Rafi, R., como é sabido é o meu
pai, e Nina… Nina não está cá. Nina não está. Foi sempre esse o seu contributo
especial para a família. E eu, o que sou?
Estas são algumas das observações que Guili, a
narradora de A Vida Brinca Comigo,
aponta no seu caderno. Mas, por ocasião da festa dos noventa anos de Vera, Nina
regressa: apanhou três aviões, que a trouxeram do Ártico até ao kibutz para se
reencontrar com a euforia da mãe, a raiva da filha, Guili, e a veneração
intacta de Rafi, o homem que, apesar de tudo, ainda perde todas as suas defesas
quando a vê. Desta vez, Nina não pretende fugir: ela quer que a mãe acabe por
contar o que aconteceu na Jugoslávia durante a «primeira parte» da sua vida,
quando, jovem judia croata, se apaixonou por Milosz, filho de camponeses
sérvios sem terra. Nina quer saber mais sobre o seu pai, Milosz, preso sob a
acusação de ser um espião estalinista. E porque é que Vera foi deportada para o
campo de reeducação na ilha de Goli Otok, abandonando-a quando tinha apenas
seis anos.