Tenho memórias de quando era muito pequena. Mesmo muito
pequenina.
Não sei se todas as pessoas são assim, mas eu sou.
A maioria dessas memórias é de tempo de férias, talvez
porque eram tempos passados num local diferente daquele em que estava
normalmente, e de que gostava muito porque não tinha paredes nem portas para me
prender nem me confinar – íamos sempre para um parque de campismo – onde me
podia perder por entre árvores, pedras, rochas, arbustos, tudo quanto não tinha
em Lisboa, em casa, além do que ninguém me parava.
Era só chegar e eu desaparecia na tenda de alguém. Toda a
gente se conhecia de uns anos para os outros, e eu tive a vantagem de ter, no
primeiro ano em que acampei, ido fazer dois meses no parque. Todos me
conheciam.
Tinha uma liberdade que não me era permitido ter em casa, e
que eu aproveitava, mesmo inconscientemente.
Todas as tendas eram a minha casa, então sentia-me à vontade
com toda a gente.
Recordo-me de um ano em que apareceu lá um casal francês com
um filho e uma filha. Não me recordo da fisionomia dos pais, mas aos filhos
lembro-os bem. Eram ambos muito loiros, pele branca e olhos azuis, e embora já
não tenha presente o nome da menina, lembro-me que chamava Biju ao menino,
provavelmente era como a mãe o tratava. Naquele ano fomos companheiros de
brincadeiras inseparáveis, e embora não falássemos a mesma língua isso nunca
foi impedimento para que nos dessemos bem e nos entendêssemos. Nesse ano eu não
teria mais do que quatro anos.
Era uma maravilha para mim descobrir uma pegada de coelho
escondida por entre um arbusto e uma rocha, embora este nunca se deixasse ver,
ou então um gafanhoto do tamanho do meu dedo oculto por entre as ramagens de
uma árvore, ou apanhar e comer uma amêndoa da amendoeira que ficava junto da
nossa tenda.
Normalmente íamos de férias em Agosto, mês propicio a
temporais e trovoadas.
As trovoadas mais espalhafatosas a que assisti, foram
precisamente durante o tempo de férias. Parecia que era propositado. A mãe
tinha muito “respeito” pela trovoada, assim como a maioria das senhoras, então
juntavam-se todas com as crianças no bloco das casas de banho enquanto os
homens ficavam a fazer as valas em torno das tendas.
Eu queria era ir ver os relâmpagos cair no mar!
O céu ficava lindo, quando era de noite e ficava tudo
iluminado.
Relembrei estas memórias há poucos dias, aquando de uma
trovoada aparatosa que me fez recuar no tempo.
Belas memórias trazidas no ribombar do trovão!
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