segunda-feira, 28 de setembro de 2020

OS SONHADORES E AS ESTRELAS, de Anita dos Santos

 


Como sempre, combinaram encontrar-se na noite sem lua.

Era a melhor altura. Além disso, como havia pouca luz ninguém andava a passear. Havia poucos que gostassem do escuro. Tirando as corujas, claro.

Cada um vinha de seu lado pois moravam em sítios diferentes. Tinham começado a juntar-se aos poucos, quase sem darem conta. Depois foi uma questão de se habituarem a estar juntos, a conversar, a olhar para o alto.

Naquele dia o primeiro a aparecer foi o Urso. Não costumava ser o primeiro pois morava longe, mas naquele dia adiantou-se e deixou-se ficar escondido por entre os arbustos, imóvel e indistinto no meio das sombras.

Daí a pouco ouviu restolhar e olhou para a direita vendo surgir o rosto do Texugo rente ao chão.

Este, como não estava a contar com a presença do Urso, apanhou um tremendo susto, arregalando os olhos no meio da cara listada, fazendo uma expressão cómica.

- Já cá estás?

- Pois não me estás a ver?

- Não sei como não caí para o lado…

- Para a próxima, tenta fazer menos barulho. Ouvi-te à distância!

O Texugo, arrebitou o nariz e sentou-se confortavelmente a aguardar pelos outros.

De repente, surgido como que do ar, apareceu o Rato! Era a sua imagem de marca, aparecer sem ninguém dar por ele!

- Mas tu… Como é que fazes sempre isso? – Perguntou o Texugo com ar indignado, pois por mais que tentasse não conseguia imitar o Rato.

- Segredos, meu amigo, segredos que não se podem contar a ninguém! – Respondeu o Rato com expressão ufana.

- Como sempre temos de esperar por ela…

Palavras não eram ditas, e eis que de um salto surge no meio deles a Lebre.

- Chamaram? Estava só à espera da minha deixa para aparecer!

- Muito bem, já que estamos todos, vamos lá que a noite não dura sempre.

Dirigiram-se para a clareira do bosque que era cercada por árvores centenárias de tamanho que nem conseguiam calcular. No meio da clareira havia uma pedra alta e esguia junto da qual se sentaram, de costas bem encostadas e olhos virados para o céu.

- O ar hoje está limpo e brilhante. – Diz o Urso.

- Cheira a erva verde e tenra. – A Lebre franze o nariz a cheirar o ar.

- Hoje vamos ver bem os brilhos lá em cima. – A voz do Rato soa reverente.

- Sim, vamos. Lá está a Grande Toca de Esconder com o seu caminho bem marcado. Será que é hoje que vemos alguma das outras luzes dar com ela? – Pergunta o Texugo para ninguém em particular.

- Pode ser. Elas têm o caminho bem marcado com outras brilhantes, e mais outra em cada canto. Tenho de confessar que não entendo porque é que ainda nenhuma lá entrou.

A voz do Urso soava baixa, e espelhava a confusão dos companheiros.

Ora as brilhantes tinham o caminha para a Grande Toca de Esconder tão bem marcado…

E havia tantas brilhantes lá em cima… será que não tinha de se esconder?

- Só pode ser isso. Não têm de se esconder… Já pensaram, não precisar de uma toca de esconder? – O Rato, ponderava nesta suposição descabida.

- Então para que têm lá a Grande Toca de Esconder? Ali, tão bem feita uma brilhante em cada canto e mais quatro brilhantes a indicar o caminho, sendo a última a mais brilhante de todas? – Perguntou a Lebre, agastada.

- Não sei. Lembram-se quando fizemos uma Toca de Esconder com pedras igual à Grande Toca de Esconder, não escondia lá grande coisa…

- Só fica escondido quando é dia.

Ficaram todos a ponderar naquela questão durante algum tempo de olhos postos naquela enorme Abobada Escura pontilhada por uma enormidade de brilhantes.

O Rato, de repente, dá um salto de nariz no ar, como quem não acredita naquilo que está a ver. De imediato todos voltam os olhos para onde o Rato estava a olhar e, espanto dos espantos, vêem umas quantas brilhantes a fugir pela Abobada Escura, deixando atrás de cada uma um rasto brilhante que a pouco e pouco se vai desvanecendo.

Aquelas poucas brilhantes desapareceram rapidamente.

- Viram? Viram? Mas porque não foram elas para a Toca de Esconder?

De súbito surgiu um novo grupo, maior, mais brilhante. Deste grupo destacou-se uma das brilhantes, que ganhou velocidade, indo desaparecer mesmo no centro da Toca de Esconder.

As respirações que tinham ficado em suspenso, fizeram-se ouvir em alívio. Salvou-se uma!

Olharam para todos os lados em busca de outras que pudessem aparecer. E assim foi.

Em grupos ou isoladas, as brilhantes fugiam a grande velocidade de uma ponta a outra da Abobada Escura, só mais duas conseguindo dar com a Toca de Esconder.

- Mas como é possível?

- E de que fogem elas?

- Estão completamente cegas…

Só o Urso se manteve caldo, de olhos levantados, concentrado em tudo o que estava a ocorrer lá no alto.

Por fim já não havia mais brilhantes a correr pela imensidão escura.

- Três. Só três…

De súbito, apareceu uma pequenina brilhante vinda da cauda da Toca de Esconder, percorrendo o caminho até a mesma e desaparecendo dentro dela num dos seus cantos.

Ouviu-se um suspiro colectivo.

- A Ursa, minha mãe, tinha uma toca de esconder onde nós, as crias, nos escondíamos quando ouvíamos ou cheirávamos alguma coisa. Era assim, tinha um caminho e uma entrada. Depois de lá estarmos dentro, ela colocava-se a tapar a entrada. Nada ali passava.

Ficaram todos a olhar por momentos para o alto. Por fim o Texugo disse:

- Talvez devêssemos chamar Grande Ursa à Toca de Esconder…

A Lebre mirou o Urso de lado, e repontou:

- Ursa Maior, acho que lhe fica melhor.

- O que é certo é que aqueles quatro pequenos ficaram seguros, essa é que é essa!

- Ursa Maior, parece-me bem!

E assim foi que os quatro amigos continuaram a juntar-se para ver a Ursa Maior!


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