Por carreirões e estradas (des)calçadas
Ouve-se um cicio, de alma que transpira entre poeira num daqueles dias de Verão; deixa adivinhar proximidade ao inferno: -já falta pouco, é já ali…
Incontáveis quilómetros adiante, confirmamos a existência do purgatório, onde a fonte expurga qualquer contrição, de bica aberta:
-Minha Nossa Senhora, haverá agora, bebida melhor que esta (slop)?! Quanta frescura!
-Só se for o vinho – respondi sem demora, afagando o meu cantil em pele.
Como assim?! – diziam-me as sofridas expressões faciais de quem calcorreou caminhos de Deus e do Diabo.
-Sim…o vinho. Conheces mais alguma bebida que mate de igual modo, todas as outras sedes do mundo? – Indaguei.
-Bem, pensando dessa forma…se a água é fonte de vida, pode bem o vinho ser fonte de inspiração.
No entanto, entendi muito bem a sua impreterível devoção ao fontículo, e particularmente naquele dia, de tão inebriante interrupção:
Se há sítio onde os homens são feitos de pedra, deve ser por ali, no Nordeste Transmontano. Mas quem por lá passa, só pode sair mais forte, com vontade de regressar...pois se o corpo enrijece: a sua alma amadurece!
A nossa alma, é coisa que aprimora vagarosamente, ao sol; à sombra de uma árvore;de cutelo e chouriça na mão, deitado na palha; depois da melancia partida na pedra, sob olhar atento da águia-real (ou sob o manto estrelado); ou na partilha de olhar transumante, cuja coerência do cajado, une a terra que pisa ao firmamento, sem que se lhe escape o mais ínfimo detalhe em seu redor(da mais pequenina flor, à nuvem ainda mais alta que o seu céu, do coaxar no charco, ao sorriso que advoga sinceridade)...
Depois de tirados alforges, sem tempo nem cárcere, é lá na aldeia o melhor convívio.
A merecida pausa no quase virar de página, fez-me sentir a plenitude dos trilhos que percorrera, quer a pé, quer amparado pelo portentoso Burro de Miranda.
Por essa Terra de Miranda, que se diz fria, o calor emanado faz parte do mesmo infindável horizonte que nos oferece corpo forte e alma sã. Até parecem coisas saídas de outros tempos difíceis de imaginar, ainda que sem segundas intenções (o poeta romano Juvenal que confirme em sonhos, se puder marcar tão sadio encontro – “Mens sana in corpore sano”, ou, “mente sã em corpo sadio”.
Onde muito parece miragem, cada ser humano conta como rara e integrante aparição.
Por toda esta região, não faltam propostas de caminhos que nos conduzam à Sé, ao convento, às inúmeras capelas e igrejas, ou até ao novo mosteiro…mas é nas fagulhas da fogueira, em plena liberdade, que encontramos maior religiosidade, sem hora marcada. Se não é do “sacro-ofício” que vos agradais, pois que tereis de descobrir outro altar...
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