sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

CRÍTICA LITERÁRIA | " A Filha do Vigário", De Cheryl Holt | Quinta Essência - Grupo LeYa

 

Texto: Isabel de Almeida | Crítica Literária | Jornalista


A Filha do Vigário, de Cheryl Holt, conhecida justamente pelo epíteto de Rainha do Romance Sensual, é um romance de época, cuja acção decorre em pleno período da Regência, mais concretamente, em 1813, em Inglaterra.

A trama tem início na Aldeia de Wakefield, na Mansão de Wakefield Manor, onde se encontra alojado o Visconde de Wakefield - John Clayton, o seu irmão ilegítimo Ian Clayton, e todo um grupo de nobres libertinos e Cortesãs.

A vida na Aldeia, e na vasta propriedade do Visconde (que herdou juntamente com o título, na sequência da morte do seu irmão mais velho James) não vem sendo fácil, devido a perturbações nas colheitas que têm gerado uma crise de produção agrícola, e alguma escassez alimentar, a isto se soma algum envelhecimento e debilidade de muitos dos rendeiros do Visconde, que, tomando posse do seu património, está determinado a despejar os rendeiros que considere não rentáveis, alimentando ainda mais a miséria instalada, e ameaçando lançar muitas pessoas para a mendicidade, num cenário já de si bastante complicado em termos sociais e humanitários.


Também Emma Fitzgerald, a filha do entretanto falecido Vigário, vive uma existência no limiar da pobreza, alojando-se num casebre miserável com a irmã de 11 anos e a mãe demente, pois teve de ceder a residência do Vicariato ao novo Vigário, o pérfido, sinistro, ambicioso e dissimulado Harold Martin. 

Determinada, independente, inteligente, empática, com um forte sentido de missão social, sendo uma cuidadora por excelência, Emma não hesita em dirigir-se à Mansão e confrontar o Visconde, no sentido de interceder pelos rendeiros em risco de despejo (nem sequer trazendo à colação a sua própria situação pessoal e familiar deveras delicada), e ambos travam conhecimento nascendo daqui um acordo perigoso para a reputação de Emma que irá proporcionar o posterior desenvolvimento da trama.

As personagens centrais serão, pois, Emma Fitzgerald e o Visconde Wakefield, vêm de espaços sociais completamente opostos, e tal facto será um sério obstáculo à possibilidade de ambos apostarem numa relação de compromisso séria e duradoura, pese embora a inegável ligação física e emocional que cedo os atrai para os braços um do outro.

John Wakefield é o clássico aristocrata, arrogante, snob, mas que não se sente à vontade nesta pele de grande proprietário e gestor do seu património, delegando no irmão ilegítimo - Ian - a responsabilidade da gestão contabilística do seu pecúlio. Criado por pais distantes e ausentes, interiorizou os preconceitos próprios da sua classe, que considera superior, mas numa outra faceta, evita aquele que seria o seu destino politicamente correcto - encontrar uma noiva compatível com o seu estatuto social e gerar herdeiros. Assim, prefere viver uma existência plena de libertinagem e vícios, como válvula de escape psicológica à sua insatisfação em termos emocionais. Tem de gerir um frágil equilíbrio relacional bastante vazio de conteúdo, e que inclui uma noiva perfeita mas nunca verdadeiramente assumida - Lady Caroline - e uma amante fixa que apenas o satisfaz ao nível físico - Georgina, mas que se revela um ser desprovido de emoções.

Todo o sistema vivencial de John se vê abalado ao conhecer Emma, e a jovem sente precisamente a pressão de sentir que está a pisar terreno proibido ao envolver-se com John.

As personagens são fortes, estão bem caracterizadas psicologicamente, e é muito interessante conhecer o percurso de Emma e assistir ao seu papel altruista, à sua missão de ajudar os mais necessitados, não hesitando em sacrificar-se nessa missão. Também é curioso notar que Emma bem pode ser a hipótese de redenção ao alcance de John, estarão ambos dispostos a mudar?

Adorámos as personagens e gostaríamos de assistir a posteriores desenvolvimentos, além de que Ian - o irmão ilegítimo do Visconde de Wakefield, nos parece uma personagem cujo potencial poderia ter sido ainda mais desenvolvido.

Quanto ao ritmo narrativo, no primeiro terço da obra surgem uns capítulos onde a acção parece deter-se, sem grandes avanços, mas vale a pena prosseguir, e passado este momento, a acção ganha nova dinâmica, vão surgindo conflitos, segredos obscuros, e a tensão até ao climax final a que já se habituaram os leitores de Cheryl Holt.


Em termos sociais, a autora está de parabéns pelo claro retrato das diferenças nítidas entre as classes aristocráticas e o povo na Inglaterra Rural da Regência, sendo também visível nesta leitura a fragilidade da condição feminina numa sociedade moralmente rígida, patriarcal e muito ritualizada.


As cenas de cariz sexual são bastante intensas e explícitas, embora contextualizadas na história, sem surgirem de forma gratuita, o que constitui também uma característica bem vincada na escrita desta autora.


Dever, sofrimento, paixão, desejo e redenção podem ser as palavras que resumem este livro, que não apresentando uma trama muito complexa é, ainda assim, uma agradável leitura de verão, entretendo, destacando alguns detalhes interessantes da época da regência, e sem descurar a sensualidade que é a imagem de marca de Cheryl Holt. 




Sem comentários:

Enviar um comentário