Texto: Isabel de Almeida
Jornalista | Crítica Literária
Onde me leva o coração proporciona aos leitores Portugueses a possibilidade de desvendar um interessante e inteligente romance histórico escrito escrito por Sarah Ferguson, Duquesa de York.
A obra tem por cenário a Inglaterra Vitoriana, tendo a acção início em 19 de Julho de 1865, em Londres e termo na Escócia no Natal de 1876.
Nos vários segmentos narrativos a acção vai decorrendo não apenas em Londres, mas também na Irlanda, Nova Iorque e Escócia, locais por onde passa uma protagonista verdadeiramente memorável - Lady Margaret Montagu Douglas Scott, filha dos Duques de Buccleuch (uma família nobre Britânica que integra o núcleo próximo da circunspecta e metódica rainha Vitória).
Margaret vai ficar na memória dos leitores como uma protagonista intrépida, inteligente, determinada, corajosa, resiliente e muito à frente da sua época.
A narrativa tem início no momento em que a melhor sociedade da Londres Vitoriana se prepara para assistir ao momento solene em que o Conde de Killin se prepara para firmar noivado com Lady Margaret Scott a cobiçada filha dos Duques de Buccleuch, cumprindo-se assim o destino habitual e sonhado por todas as jovens nobres em idade de casar, cujo propósito é manter ou alargar o núcleo familiar base e serem esposas e mães dedicadas, nada importando os seus sentimentos, mas sim os deveres sociais que as oneram logo à nascença, na nobreza britânica em pleno século XIX e durante o longo reinado da Rainha Vitória.
Pois sucede que Margaret está pouco disposta a aceitar o seu dever social, determinada, com espírito crítico, ideias e vontade próprias não pretende anular o seu eu em nome de meras convenções sociais, não deixando contudo de, intimamente, se ver a braços com um conflito interno motivado pelo respeito e consideração que sente para com os país.
Interessante é assistirmos às atitudes desafiadoras e temerárias de Margaret para lutar por aquilo em que acredita, recusando-se aceitar a verdadeira escravidão social que a família lhe destinara, tal como às suas irmãs (estas sim, acatam a norma).
Com um rico leque de personagens, vamos assistindo à interacção das várias personagens secundárias com a protagonista, à medida que a acção avança. Os capítulos são curtos, a escrita é fluída e cuidada, adaptada às convenções da época mas sem se tornar densa e está pautada por diálogos, chamando particular a atenção e permitindo manter a ligação constante entre os vários meios por onde Maragaret se vai movendo a troca de correspondência entre esta e amigos e familiares próximos, numa época em que a comunicação epistolar era lenta mas reduzia distâncias e evidenciava um sem fim de emoções, numa riqueza de vocabulário que se perdeu com a globalização e a imediatez dos meios de comunicação.
Sensível às causas sociais, preocupada com os que nada têm, Margaret revela-se uma benemérita desinteressada, criativa e dinâmica, não hesitando em arriscar ao percorrer as zonas mais pobres de cidades como Londres e Nova Iorque, tendo plena consciência de que uma das suas missões é cuidar daqueles que mais precisam, convivendo e intervindo em cenários de extrema miséria e probreza e sendo de assinalar e elogiar que a autora não revelou pudor em demonstrar as dificeis condições de vida dos mais pobres entre os pobres e as dificuldades que vivenciavam muitas crianças, tantas delas condenadas à partida à pobreza.
O romance apresenta ainda, de forma transversal e em toda a sua linha narrativa, uma sólida abordagem factual e crítica ao papel secundário da mulher nesta época histórica e nota de destaque para a interessante comparação entre a visão da mulher na sociedade Britânica e nos Estados Unidos, onde começavam a surgir naturalmente mulheres independentes e com influência que, inclusive, faziam do jornalismo e da escrita o meio de sustento.
Optámos por não levantar muito o véu sobre as personagens secundárias para não corrermos o risco de revelar mais aos leitores do que o que é desejável e suficiente, mas destacamos a evolução psicológica e afectiva da mãe de Margaret e ainda a ambiguidade da Princesa Louise, uma jovem filha da Rainha Vitória, a melhor amiga de Margaret que sempre oscilará na dúvida entre a opinião e crenças pessoais e o sentido de dever que assume como inerente à sua condição de mulher e de membro da família real.
Recomendamos a leitura da nota final da obra onde a autora revela a forma como realizou o trabalho de pesquisa e onde colheu a sua inspiração para conceber a marcante Lady Margaret.
Um romance histórico de fácil leitura, mas de extrema riqueza nos detalhes, na análise social, no incentivo a um olhar crítico e reflexivo sobre a era Vitoriana (tema de especial interesse da autora) e com recurso a uma linguagem acessível , cuidada, fluída mas perfeitamente adequada ao contexto histórico da narrativa. Uma das leituras a saborear este verão, sem limites, apenas um alerta: este romance causa ressaca literária!
Uma aposta de qualidade do Grupo Penguin Random House.