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quarta-feira, 24 de abril de 2024

DIVULGAÇÃO | MEMÓRIAS MINHAS, de MANUEL ALEGRE | DOM QUIXOTE

 

«Memórias Minhas é um deslumbrante caminhar por dias e lugares que se cruzam com tempos únicos da nossa história contemporânea. Uma vida – uma geração – a rebeldia, a resistência, a guerra, a cadeia, o exílio, a Voz da Liberdade, a festa dos verdes anos, amores e desamores. E ainda, desde o luminoso 25 de Abril que mudou o destino, os combates longos, duros, conflituantes, que esculpiram a identidade da democracia constitucional. E o depois, nas curvas e contracurvas da mudança, do parlamento, da candidatura presidencial.»

Alberto Martins


As memórias de Manuel Alegre não são exclusivamente suas, são também as memórias de várias gerações de portugueses, memórias de um certo Portugal, que vão desde o tempo do Portugal triste e cinzento dos anos 50, tão bem reescrito em muita da sua poesia, até ao Portugal radiante e luminoso, o do 25 de Abril e o da liberdade.

Memórias Minhas reúne um vasto conjunto de pequenas histórias, nem sempre cronologicamente arrumadas, que proporcionam ao leitor uma dupla viagem: pela vida de Manuel Alegre e ao mesmo tempo pela História recente de Portugal.
O tio-trisavô decapitado na sequência das lutas entre liberais e miguelistas, a infância em Águeda e o assobio com que comunicava com o melhor amigo, os colegas que iam descalços para escola, a tia que se referia ao sobrinho como “o nosso poeta” sem ele ter escrito ainda qualquer verso, a eterna e dedicada protecção da avó, o estudante de Coimbra, e os discursos na Associação Académica, que mais não foram do que a sua primeira intervenção cívica.
A relação próxima e cúmplice com os amigos escritores, mas também com Adriano Correia de Oliveira e António Portugal naquela noite em que nasceu Trova do Vento que Passa, que a partir de então passou a ser um hino para todos aqueles que se opunham à ditadura de Salazar.

Há demasiadas vidas na vida de Manuel Alegre. Biografia a mais, talvez, para uma só vida. Sempre vivida de forma tensa e intensa. Que se intensificou ainda mais quando passou a sentir a PIDE sistematicamente por perto ou quando foi mobilizado para os Açores, onde conheceu Melo Antunes, com quem viria a congeminar um plano de revolta militar.
Já era então membro do PCP, partido a que aderiu, em 1958, de forma pouco ortodoxa, do qual virá mais tarde a desligar-se, após a invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas. Para trás no tempo tinham ficado os passeios pelas ruas de Paris e as longas conversas com Álvaro Cunhal, histórias partilhadas neste livro, a prisão em Angola, onde tal como nos Açores, tudo fez para provocar uma acção militar contra o regime, a fuga a salto pela fronteira quando não era mais possível escapar à polícia política.

Para Manuel Alegre a luta pela liberdade e pela democracia também era feita com poesia. O poeta está longe mas, à distância, consegue a extraordinária proeza de fazer estremecer o país quando publica Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967), livros que falam de Abril muito antes do 25 de Abril.
O tão desejado regresso a Portugal, já em liberdade, a visão de um certo Verão Quente, o 25 de Novembro, as razões da entrada para o PS depois de ter jurado a si mesmo que nunca mais faria parte de nenhum partido, a ligação afectiva aos velhos membros do Partido Socialista, a desilusão que foi ter sido por duas vezes membro de um governo, as desavenças com Mário Soares, António Guterres e José Sócrates e com todos aqueles que pretenderam descaracterizar a essência do partido, os bastidores da sua corrida à liderança do PS e, por fim, as circunstâncias que o levaram, por duas vezes, a candidatar-se à Presidência da República.

São estes alguns dos muitos episódios narrados na primeira pessoa por alguém que esteve presente nos acontecimentos mais relevantes da nossa História recente. E que fazem de Memórias Minhas um dos livros mais aguardados dos últimos tempos.



«Não anotei essa conversa nem outras. Lembro alguns encontros, sempre clandestinos, com Álvaro Cunhal.
Uma vez acendi um cigarro com o seu isqueiro e, num gesto mecânico, meti-o ao bolso. Então ele disse-me:
– Esse não, foi o último presente do meu pai.
E tinha lágrimas nos olhos, nunca mais esqueci, porque me parecia impossível que aquele homem pudesse chorar. Acho que compreendi até que ponto tinha disciplinado a sua própria alma. Por ser o secretário-geral do PCP ele passou à clandestinidade o artista que tinha dentro de si.»

«(…) Melo Antunes, Marcel de Almeida e eu formámos a equipa encarregada de fazer a distribuição pelo interior da Ilha. Melo Antunes apareceu com uma camisola preta e a cara enfarruscada. Sentou-se ao volante, com a pistola, tapada, no banco ao lado, e mandou-nos para trás. Entrávamos nas povoações em ponto morto, nós saíamos, um para a esquerda, outro para a direita, enfiando os papéis por debaixo das portas ou nas caixas do correio. Não se via ninguém. Mas tínhamos a sensação de que mil olhos nos espreitavam.
Regressámos de madrugada. Soubemos que todas as brigadas tinham feito o seu trabalho sem complicações.
– Não foi com armas, foi com papéis – dizíamos a rir de alívio e satisfação.
O escândalo foi grande em São Miguel. O tenente-coronel Alvarenga considerou que Melo Antunes devia ter-se preservado.
– Um general não anda a fazer de soldado.
Eu achava que, nessa noite, assim vestido de preto, ao volante do seu carro, Melo Antunes tinha sido um verdadeiro general, ainda que só capitão.
– Todos fomos capitães – dizia ele, sem se aperceber do sentido premonitório daquela frase.»

«Estava longe de imaginar que no dia 8 de Junho, no fim da tarde, receberia um telefonema do Brasil. Alguém, suponho que o Conselheiro Cultural, porque não percebi bem, comunicou-me:
– Os meus parabéns, o senhor acaba de ganhar o Prémio Camões. Vou passar-lhe a presidente do júri, Professora Doutora Paula Morão.
– O Prémio Camões é seu – disse ela. E havia alegria na sua voz.
Eu não estava à espera, não sabia sequer quem era o júri nem quando iria reunir e fiquei meio aturdido. Dei uma resposta tonta, que será para sempre o meu remorso:
– Está para cair um santo do altar.
Pouco depois caí em mim, fiz uma nova ligação e pedi desculpa.
– Estou muito contente, sinto-me muito honrado.»

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